quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Esporte da mente exige bem menos estratégia de seus “robustos” atletas


Jessica Soares e Jessé Henrique

        Não basta apenas sorte, o pôquer exige concentração, análise e muita, muita, reflexão. Os jogadores, a cada rodada, se tornam verdadeiros estudiosos da mente humana. Agem como se fossem psicólogos. Observam a respiração e a forma do oponente mover as fichas. Verificam se em torno das axilas do adversário existem marcas de transpiração na camisa para, com isso, identificar sinais de nervosismo. Depois, vem a parte reflexiva: meu oponente está nervoso porque não consegue controlar a felicidade, ou estaria com medo? A preocupação é compreensível. No jogo pode-se apostar desde dinheiro até a dignidade do sujeito.

       Mostrado com elegância no cinema, ter habilidade para saber induzir o adversário a apostar o maior número de fichas possível é característica imprescindível de um bom jogador. Dentre as diversas modalidades de jogo, o mais famoso é o Texas Hold’em.
A legalidade do jogo

        Apesar de estar entre os mais famosos entretenimentos de cassinos no mundo e ser amigo íntimo das máquinas caça-níqueis, pôquer não é um jogo de azar. Em 2010, foi aclamado como esporte em assembleia da Associação Internacional dos Esportes da Mente (IMSA - International Mind Sports Association), localizada na França.

        No Brasil, o jogo é ilegal a partir do momento em que as apostas são feitas em dinheiro, caso contrário a polícia não barra a iniciativa, tampouco a criação de federações. Para o superintendente do 2º Distrito Policial de Curitiba, Emerson Antônio Félix, as investigações para as jogadas consideradas ilegais continuam dando trabalho à polícia. “Quando a denúncia chega à delegacia, é encaminhada imediatamente ao responsável pelo distrito. Ele designa uma equipe de investigação para averiguar a veracidade do fato”. Em relação ao tempo, tudo depende do trâmite. Na maioria das vezes, não costuma demorar.

        Apostar dinheiro, não pode. Mas os praticantes juntam uma grana alta para participar dos torneios realizados pela Confederação Paranaense de Texas Hold’em. Para se inscrever nos torneios, os interessados precisam desembolsar entre 200 a 300 reais. Jhonny Castro joga duas vezes ao mês e vê com naturalidade a taxa de inscrições. “Os torneios privam pela honestidade e competitividade do jogo, então o valor da inscrição é fixo e a quantidade inicial de fichas do torneio para cada jogador também, assim, não é possível uma pessoa se beneficiar de um maior poder aquisitivo para comprar mais fichas”.

         Por estar no lugar errado, por anos foi visto com preconceito. Algumas pessoas ainda repudiam a ideia de compará-lo aos chamados jogos da mente”. “Apenas argumentar que é um jogo de estratégia como o xadrez não é o suficiente. É necessária uma campanha de conscientização, para colocar na cabeça das pessoas o fato de ser um esporte. Assim, cada vez mais, elas se interessarão pelo jogo”.
 
Jogando Texas Hold’em

         O ambiente não é o mesmo mostrado nas cenas dos filmes hollywoodianos. Fomos jogar na casa de um amigo chamado Leleco, ou, como o pai e mãe dele preferem chamá-lo, Wander Luiz.

        Na casa de Leleco não havia nada daquela imagem dos cassinos de Las Vegas ou Montevidéu. Três prateleiras e alguns assentos improvisados para os jogadores são os móveis. Usamos feijões como aposta – mas porque não tínhamos ficha e não porque acreditamos que é isso que se disputa nos grandes cassinos do mundo. Nós cinco sentamos ao redor de uma mesa oval de madeira, parcialmente corroída por cupins. O crupiê, revezado a cada rodada, distribuiu as cartas. Um rapaz à esquerda, chamado Pezão – sim, talvez este realmente fosse o nome dele -, foi o primeiro a receber o carteado. Foram dadas duas cartas aos jogadores e logo cada integrante - inclusive eu - precipitou-se em protegê-las da melhor maneira possível. Os olhares de 180 graus saíam das cartas e contornavam a mesa de ponta-a-ponta. Parecíamos robôs: frios, sem expressão. Apenas um dos jogadores, menor de idade, chamado Bruno Moura, parecia rir como um bobo. Estaria blefando? Ansioso? Não sei. Com muito esforço, depois de observar um tempo, consegui identificar leves insinuações de sorriso cá ou acolá.

       Neste esporte chamado pôquer o crupiê tem papel fundamental. Ele não pode errar. Deve agir como se fosse um médico executando uma operação arriscada, porque qualquer deslize é imperdoável, mesmo se o prêmio for feijões (afinal, como será preparada a feijoada do sábado?). Com bastante atenção ele termina a distribuição das cartas, conduz a primeira rodada de apostas e executa o flop (três cartas com o lado principal voltado para a mesa). Olhei os adversários... Momentos depois foi feita nova rodada de apostas para as cartas do flop. Todos os cinco analisaram os resultados e ponderaram se era conveniente continuar ou não no jogo. Alguns expiraram profundamente, outros coçaram a barba, passaram a mão na nuca. Dois deles desistiram, Anderson da Silva e Leleco: o segundo e o terceiro, a contar da esquerda para a direita.           

         Restaram eu, Pezão e Bruno. Iniciaram-se as apostas do turn, a quarta carta colocada com a face para baixo. Repete-se o procedimento. Desta vez ninguém desiste e as apostas aumentam. É hora da penúltima etapa: o “bolo de apostas” está gigante e todos o querem. Novas apostas ocorrem e as expectativas para a virada da quinta e última carta da mesa, o river, são enormes... O silêncio na mesa é sepulcral, pode-se ouvir o som monótono dos ponteiros do relógio na parede... Tic... Tic... Tic... Na última aposta, o ritmo do jogo fica lento, os jogadores sentem dificuldade em esconder o nervosismo.                            

      Os semblantes estão enrugados. Mostram-se pensativos, umedecem os lábios com a língua ou engolem em seco. A hesitação na hora de apostar é cada vez maior e Bruno, o adolescente, desiste. Ficam no jogo apenas eu e Pezão (ele já havia ganhado os dois últimos turnos).

       Eu e ele não nos encaramos.

       Eu sabia jogar razoavelmente... Achei, naquele instante, um par de vermelhos nas mãos suficiente. Talvez estivesse certo. Meu pensamento lógico foi o mesmo usado por Edgar Allan Poe num de seus contos sobre o lançamento de dados, o Mistério de Marie Rogêt. Resolvi aplica-lo ao pôquer. Eis o raciocínio: “Nada, por exemplo, é mais difícil do que convencer um leitor comum de que o fato de haverem saído dois seis seguidos num jogo de dados é coisa mais do que suficiente para fazer uma grande aposta de que não sairá nenhum seis na terceira tentativa”.  Fez-se silêncio. Abaixaram-se as cartas. Houve apenas um sorriso, o do meu adversário. Ele tinha uma dama de espadas e um às de ouros: estas cartas, combinadas com as da mesa, formaram o chamado Full House, consagrando-o vencedor.

       Foi curioso observar a frustação dos outros três jogadores mais a minha, contrastadas à alegria de Pezão, ganhador de todos os feijões. E o mais interessante: quem desistiu primeiro, se frustrou menos; eu - o último - muito mais. Mais uma vez comeria apenas arroz na hora da janta.
  
    Estigmas à parte, para o pôquer crescer como esporte é preciso que os próprios adeptos sejam mais receptivos e menos desconfiados. Durante nossa reportagem, nos deparamos com diálogos vazios com respostas das mais resumidas possíveis. Do tipo, “não quero me comprometer”. Assim, estamos longe de ver o pôquer, jogado de maneira legal, como realidade possível. Faltam argumentos e estratégias receptivas dos jogadores, algo tão exigido pelos esportes mais populares.

Não é autoajuda! É psicologia do esporte!

 Da superação da baixa autoestima à vista grossa sobre a dedada no rabo



Por Ramon Voltolini, Carlos Eduardo e David Musso

Inspire, com calma. Olhe para o ginásio e tire de foco o público selvagem roedor de unhas, ávido por uma virada brusca por sobre teu adversário. Relaxe. Erga a cabeça. Perceba todos os trejeitos do oponente e intime-o com os olhos. Com a espada empunhada e, num ataque, diga “Touché!”. Vestido de branco, Alex Campos, 22, se prepara para os treinamentos de esgrima. O rapaz, a cada espadada mais suado, simula combates desenrolados num limite apertado de tempo, sob pressão duma derrota iminente. Ansiedade e concentração ficam de mãos dadas durante a luta; o aperto mais sutil dum punho sobre o outro pode condenar o equilíbrio psicológico do atleta; derrubando-o, ou não.

O condicionamento mental dos desportistas tem sido assunto primordial das pautas dos clubes de futebol, dos cronogramas das aulas de Educação Física, dos praticantes de esgrima. Da mídia. Na Alemanha, por exemplo, após o suicídio do goleiro Robert Eike em 2009, o Sindicato dos Jogadores de Futebol Alemão (VdV) começou a exigir um posicionamento mais profissional dos clubes frente à psique dos atletas: todo time deve, ou deveria, contratar um especialista no tratamento psíquico dos jogadores. Aqui, em setembro do ano passado, o Fantástico posicionou uma câmera exclusiva sobre Neymar. Mesmo sem saber, o topetudo foi posto no divã. Diante das fantásticas câmeras da corporação Globo de televisão, um perfil completo do menino foi traçado. Por ficarem vulneráveis aos estímulos incessantes da indústria jornaleira e da vida cotidiana, os atletas variam entre estados de concentração e euforia.

A psicologia do esporte, ramo que se entrelaça cada vez mais no cotidiano dos atletas, trata de compreender as teorias psicológicas voltadas às necessidades de cada categoria desportiva e aplicá-las efetivamente na vida dos atletas. Luiz Henrique, 19, jogador profissional de futsal pela equipe do Três M/Stark, conta com uma sessão individual psicológica por mês. A cada bimestre, o time se reúne numa espécie de “terapia em grupo”. “Não admito que me xinguem ou que usem de malandragem por cima de mim”, diz o rapaz ao se referir a gracinhas que os oponentes frequentemente fazem durante as partidas. “Alguns jogadores chegam a enfiar o dedo no rabo do outro durante os jogos. Isso desconstrói o atleta”. Para manter a sanidade diante das provocações, Luiz afina os ouvidos e pratica os conselhos ditados pelo psicólogo do clube; o foco desses auxiliares, na realidade, está no que acontece no “para-além-da-quadra”.

Tente encontrar um meio termo entre as vidas pessoal, familiar e social. Preze pelo equilíbrio mental. Divida o tempo do dia em partes, uma para cada tarefa. Você tem de clarear a visão e selecionar os pontos de foco.  Elenque-os. Em quadras mais modestas, como na do EJA (Educação para Jovens e Adultos) de Rio Branco do Sul, a psicóloga Eliane Dias Ferreira dá a aos alunos orientação semelhante à profissional. A falta de motivação, baixa autoestima e as dificuldades dos alunos em seguir os vértices disciplinares da matéria de Educação Física levam grande parte dos estudantes a bater o pé frente à prática de exercícios físicos. Por transcender os limites estreitos das quadras das escolas, os efeitos desse tipo de psicologia afetam os alunos também dentro das salas. O desenvolvimento da atenção, da memória, do raciocínio lógico e da motricidade são consequências colaterais desse tipo de abordagem psicológica.

O meia-atacante do Coritiba, Rafinha – hoje de pavio mais comprido –, também já foi paciente dessa categoria de tratamento. No ano passado, o atleta alternava ótimas atuações em campo com idas mais cedo ao chuveiro do time. Ainda em disputa pela série B do Campeonato Brasileiro de 2010, o jogador mostrava-se hostil durante as partidas: até o mais bobo dos motivos fazia Rafinha descer a bordoada no primeiro infeliz. Diante da situação inconstante do atleta, a diretoria do Coritiba recomendou a Rafinha sessões terapêuticas com a psicóloga do clube, Flávia Foccacia. Os resultados foram notados após seis meses de tratamento: cartões e expulsões não são mais constantes na vida do jogador. “Me sinto feliz dentro de campo e, lá, sou como um líder. Fora dele [campo] sou outra pessoa, fico quietinho no meu canto”. Com o uso da psicologia, o espírito de equipe e o desejo de fazer o time todo prosperar tomaram o lugar, ou, pelo menos, “encaixotaram as bombas” do temperamento explosivo do meia. Rafinha superou a mesquinhez das provocações alheias; passou por cima da baixa autoestima e, até onde se sabe, chega a fazer piada com essa tal história da “dedada no rabo”.

O para-choque é o meio-fio no carrinho sem freio


Por Allan Scheid e Denis Barbosa

O sol esquenta o asfalto em mais uma tarde na antiga estrada da Graciosa. É o clima considerado ideal pelos atletas do street luge. Em meio aos carros que passam na rodovia eles começam a vestir os uniformes. Munidos com equipamentos de segurança, a primeira vestimenta colocada é o macacão. Não precisa ser um bom observador para perceber as marcas de asfalto e as costuras que desenham o alto risco. Na listagem dos esportes radicais mais perigosos, o luge ocupa a quarta posição.

Enquanto os lugers ajustam os preparativos finais, Marcos da Costa, atleta de sledge, uma versão mais light do luge, percorre o trajeto de carro vistoriando as condições da pista. Uma pequena pedra é o suficiente para fazer um grande estrago. Chegando no ponto final do trajeto, a estrada da Graciosa é fechada. Via rádio, Marcos da Costa informa Mario Jardim: “tudo ok, drop liberado”.

Mario, pioneiro do esporte na capital paranaense, abre um largo soriso e comunica os companheiros. Luvas, cotoveleiras, joelheiras e o capacete completam o traje. No meio de cinco marmanjos, uma pequena figura chama atenção. Trata-se de Marcos da Costa Filho, apelidado de “Litle Marck” pelo pai coruja Marcos da Costa.

No minuto que antecede a descida, o garoto de 9 anos fica de joelhos sobre o equipamento. Através da viseira erguida é possível flagrar o olhar compenetrado na primeira curva. Os dinossauros do esporte falam sobre o frio na barriga.  Corajoso “Litle Marck” diz não ter medo.

A largada é alavancada com os braços. O preparo fisíco é fundamental para atingir os extremos da velocidade. O corpo do atleta é o motor, o equilíbro é a aerôdinamica nas curvas, inclinando conforme o necessário como nas corridas de motovelocidade. O freio é controlado pelos pés, utilizando um tênis especial que, com borracha de pneu acoplada na sola, evita o desgaste.

O percurso escolhido no dia durou em torno de um minuto e meio. No fim de cada drop entra em ação novamente Marcos da Costa. Com cordas amarradas em um suporte traseiro no carro para rebocar os pilotos ao ponto de partida. Sentados sobre os luges, o retorno é o momento de descanso no treinamento. Dependendo da disposição dos atletas o procedimento é repetido até dez vezes no dia.
 Não é comum ouvir histórias sobre vítimas fatais. O posto de quarto lugar entre os esportes mais perigosos é justificado pelos dois centímetros entre o corpo do piloto e o chão em velocidades superiores a 100 km/h.

Do asfalto para o gelo

O sonho de representar o Brasil nos jogos olimpícos não é possível no street luge. A modalidade só tem espaço nas Olimpíadas de inverno, onde é batizada de luge no gelo.

 Alexandre Cerri, 23 anos, inicia uma nova missão, representar o Brasil nos jogos olimpícos de 2014. Em novembro o atleta irá trocar o verão brasileiro pelo rigoroso inverno europeu. A preparação já começou e, bem humorado, Cerri contou que não usava blusas nas manhãs geladas do inverno curitibano, tudo para ir se adaptando ao clima castigante. Vai ser o primeiro contato com o luge no gelo. Mesmo assim, não espera ter dificuldades para se adaptar ao esporte.

 “O Luge é um hobby profissional”

A definição de Élcio Monteiro expressa as dificuldades enumeradas pelo atleta. Falta de patrocínio, pouca visibilidade na mídia, manutenção dos equipamentos e viagens para competições nacionais e internacionais. Enfático, define a motivação de praticar o esporte: “não é por dinheiro, é por amor”. E acrescenta: “se parar para pensar na grana, você não sai de casa”. 

Porque os repórteres não praticaram o esporte

Não foi possível realizar um drop, nós bem que gostariamos de encarar as descidas da Graciosa e se divertir, porém ao conhecer o esporte de perto percebemos o quanto ele é arriscado. Somente profissionais tem o preparo necessário para realizar tal tarefa.
Aos iniciantes fica a recomendação de interagir com os integrantes das equipes de luge de Curitiba e pegar as dicas sobre o esporte. As pistas do Parque São Lourenço e do Guabirotuba são ideais para começar.