quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Obituário # 24: Maria Eugênia Braz, por Jéssica Soares

Tinha apenas dois anos, novamente

Maria Eugênia Braz

Foi um exemplo de mãe para os filhos, que ao total somam sete de um único casamento. Gostava tanto de crianças que em sua juventude fazia disso o seu trabalho. Cuidava de bebês enquanto as mães iam para a roça. 

Era uma mulher que adorava música e sempre ia aos bailes de São Paulo, mas não gostava de brigar por namorados. Abriu mão de um italiano elegante que era assediado por outras mulheres.

Foi adotada legalmente aos 109 anos porque os parentes não davam mais o apoio que precisava. Maria Eugênia atravessou 540 km deitada dentro de um carro, de Campinas até Curitiba, para abraçar sua nova família.

Permaneceu no bairro Tatuquara com dona Lourdes Tangerino, a quem fazia questão de chamar de irmã. Recém-chegada ao lar, Maria Eugênia ganhou amigos, festa de aniversário, conforto e até uma nova religião. Católica desde pequena, converteu-se à Congregação Cristã, um esforço de Lourdes: "Mesmo debilitada, sempre que podíamos levávamos ela aos cultos".

Não se deixava abater pela doença e mesmo enfraquecida transbordava autoestima. Conversava com os novos netos ouvia atentamente quem aparecia para visitar. Vaidosa, não esquecia de uma touca de lã rosa que a aquecia nos dias de inverno, presente da sua irmã adotiva: "Dei a ela e não vou me desfazer. Guardarei de lembrança".

Dia 4 de agosto, aos 111 anos, de AVC.

Obituário # 23: Patrícia da Silva, por Allan Scheidt


Escada para o Paraíso

Patrícia da Silva


Guarani das Missões, Rio Grande do Sul, 10 de novembro de 1984: nascia Patricia da Silva. Uma menina que parece ter absorvido o carisma da primavera nos pampas. Desde pequena estava ligada às atividades artísticas tradicionais. Em 1995 foi  eleita a primeira prenda mirim da cidade, a flor do CTG.

Após concluir o ensino médio, Patricia e a família se mudaram para a cidade de Matelândia no oeste do Paraná. A nova vida começou com curso técnico na área de enfermagem e sete anos dedicados à profissão. Foi o tempo de apaixonar-se por Victor, com quem casou e teve Murilo.

A prenda também era fã de rock, particularmente pela canção Stairway to Heaven, do grupo inglês Led Zeppelin. E um dos trechos desta música representa bem a grande mudança na vida de Patricia, quando ela conheceu um novo amor:

Sim, há dois caminhos que você pode seguir
Mas na longa estrada
Há sempre tempo de mudar o caminho que você segue

Essa mudança no caminho ocorreu após três anos de convivência com Victor. Separou-se para mergulhar no romance com Jefferson, com quem conviveu por quatro anos. Seu novo marido tinha personalidade difícil: brigas no relacionamento e o envolvimento dele com drogas foram um prenúncio. A vida de Jefferson acabou no dia 2 de junho de 2011, vítima de homicídio.

Exatamente um mês depois, na fria noite de 2 de julho Patricia decidiu também subir as escadarias do paraíso. Deixou para trás Murilo, agora nos braços de Victor.

Pati, como era chamada por amigos e familiares, sempre esteve sob uma tempestade silenciosa, jamais transparecia a tristeza que lhe açoitava. Gostava muito de conversar e encontrar amigos, sair para dançar, brincar com seu filho. Viveu intensamente suas decisões, assumindo suas conseqüências. Quando cometeu suicídio, vitima da depressão, estava com 26 anos.



sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Obituário # 22: Ercília Benício, por Márcia Stoppa


A primeira coisa que esqueceu foi do nome verdadeiro

Ercília Benício

Orcília Rodrigues nasceu em 4 setembro de 1932. Aos 13 anos fugiu de casa para casar com Izau Benício. Aproveitou a ocasião para mudar  o nome. “Orcília era muito feio”, dizia. Então no papel virou Ercília Rodrigues Benício. Teve um casal de filhos e seis netos.

Depois da morte do marido, em 1984, começou a ter lapsos de memória. “Colocava um lugar a mais na mesa e perguntava a que horas meu pai iria chegar”, lembra sua filha Maria Elizabeth.

Morava com  a filha e duas netas. Sua principal preocupação era o bem-estar delas. “Achava toda hora que ia morrer e que nunca veria minha filha Valéria se casar”.

Com o tempo, os esquecimentos se tornavam mais frequentes.Tomava café da manhã duas vezes, deixava a panela no fogo até o arroz queimar, a porta destrancada à noite.

Quando o filho de Valéria nasceu, sempre perguntava de quem era o bebê. E, quando a criança começava a chorar,seguia o barulho e se espantava ao ver o recém-nascido. Quando seu bisneto completou um mês, pegou o menino no colo e disse que poderia morrer em paz porque tinha conseguido realizar o sonho de ver sua neta casada. Dez meses depois, no dia das mães de 1998, Ercília faleceu.  

Obituário # 21: Lídia Rezende, por Larissa Soares


Disciplina e Odair José nunca são demais

Lídia Maria Rezende

Entre tintas, serragem, e cheiro forte de solvente, Lídia Maria passava tardes e mais tardes praticando artesanato.  Nem o câncer que venceu todos os tratamentos a impediu de entalhar, cortar, lixar, pintar.

Algumas dessas peças eram consideradas perfeitas pelos colecionadores. Outras, eram francamente horríveis e sem sentido, como diz Michele, sua filha. Ela ri ao contar que às vezes mentia sua opinião sobre o trabalho da mãe, que, no entanto, aos 57 anos, não se deixava enganar pelo elogio protocolar.

Na vizinhança, é fácil se ouvir falar da senhora que sempre estava cantando, com um lenço cor de creme envolvendo os cabelos cada vez mais roubados pela doença.

Vinda de Londrina com os pais muito nova, gastou boa parte dos anos de trabalho sendo professora de ensino fundamental. Duvidava que seus alunos se lembrassem de sua imagem, ou de suas broncas, mas a fama de “carrasca” se perpetuou. Julio Medeiros, vizinho da família enlutada, não esquece das duras palavras que ouviu quando foi aluno de Lídia, cujo lema era  “disciplina nunca é demais”.

Casada desde os 18, divagava que perdeu sua juventude mas mesmo assim era feliz. Mesmo quando se escondia do marido no quarto pra ouvir Odair José. Pouco antes de morrer lamentou que nunca teria netos, pois ninguém seria corajoso o suficiente para aguentar sua filha. Michele apenas ria da mãe e hoje confessa que ela tinha um pouco de razão.

Lídia não acreditava em nenhuma religião e que céu e inferno eram muito pouco pra ela. A criticidade irritava seu marido, que sempre fugia da discussão e abandonava a oficina onde a ajudava com as pinturas. Os vizinhos fofoqueiros também resmungavam, reprovando a posição da professora. Ela não ligava, dava um sorriso solto e lembrava que a cada um cabe a sua hora.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Obituário # 20: Maria de Lourdes Torres, por Lucas Sarzi


Comer e ver novela

Maria de Lourdes Souza Torres

Ela nasceu em 26 de agosto de 1928, em Itapira (SP). Tinha outros sete irmãos. Dedicada, trabalhou desde jovem como auxiliar de enfermagem, mas sua vocação mesmo era ser dona de casa - algo que, de acordo com os relatos da família, fazia com muito gosto.

Casou-se com o imigrante português Antônio de Matos Torres aos 28 anos. O casamento durou quatro anos. O marido morreu e deixou duas filhas, Maria de Lourdes Torres e Regina Torres. 

Aos 40 anos, Maria de Lourdes se mudou para Curitiba com as duas filhas (a mais velha, Lourdes, já morava aqui um ano antes), onde trabalhou mais alguns anos antes de se aposentar. Ainda criou o neto, Fábio Torres de Quadros (filho de Lourdes), para que a filha trabalhasse.

Maria de Lourdes procurou representar a humildade por toda a vida. Apreciava conforto, apesar disso. Seus maiores prazeres eram comer (e considerava o restaurante Madaloso especialmente bom) e ver novelas.

Ela completou apenas o primeiro grau completo, mas impressionava pela esperteza e uma memória incomum.

Nos últimos dois anos e meio o diabetes dela piorou. Dona Maria acabou internada por várias vezes e problemas diferentes, todos causados pela doença. No dia 30 de julho de 2011, faleceou, vítima de uma parada cardiorrespiratória. 

Obituário # 19: Tia Laurinha, por Suzan Speltz


Por décadas reprimida, foi à rua buscar as crianças

Laurinda Josué Ferreira



Laurinda Josué Ferreira era mais conhecida como “Tia Laurinha” pelos vizinhos e amigos. Aposentada como empregada doméstica, mãe de três filhos, foi casada com Hernesto Ferreira por quase 26 anos, até ficar viúva em 2000. Morreu em casa, aos 78 anos, de doenças que lhe levaram à falência múltipla dos órgãos.

Após o falecimento de seu marido, tia Laurinha resolveu se dedicar a crianças e adolescentes carentes, já que todos os seus filhos já estavam casados e morando em suas próprias casas. Começou pedindo ajuda de seus vizinhos e parentes para coletar brinquedos, comida, roupas e até mesmo alguns móveis para doação.

Toda tarde ia para o centro da cidade levando uma sacola com bolacha, leite e outros alimentos, na certeza de encontrar jovens maltrapilhos. Em 2003, quatro dessas crianças, abandonadas por pais viciados em drogas, acabaram na casa de Laurinha. Mônica, Lucas, Eduardo e Gabriel passaram a ser os novos filhos da aposentada.

Hoje, Gabriel tem 17 anos, Lucas completou 22, Eduardo passa dos 19 e Mônica está a um ano de ser debutante. Os dois mais velhos moram com as namoradas e uma das filhas de Laurinda, Ketlin, chamou os dois adolescentes para morar com ela, seu marido e filhos.

O filho mais velho do casal, Junior, conta que um casamento opressor reprimiu a vocação social  de Laurinha na maior parte da sua vida. “Meu pai era muito ciumento com a mãe e queria ela sempre em casa pra fazer as coisas para ele”.

Júnior tem certeza que tia Laurinha nunca foi tão feliz como nos últimos anos.

* 5/6/1933
+ 29/7/2011

Obituário # 18: Cesar Augusto Druszcz, por Taiana Tavares


De cueca, não era rápido como um tigre
César Augusto Druszcz

César Augusto Druszcz, mais conhecido por Cezinha pelos amigos, faleceu no dia 22 de julho, um dia após completar 26 anos.
No caminho entre o trabalho e sua festa de aniversário, se desequilibrou da moto que conduzia e bateu na traseira de um caminhão.
O auxiliar de limpeza costumava chegar em casa animado nas sextas- feiras, mesmo após os dias mais duros de trabalho, gritando e buzinando para que sua mãe abrisse o portão.
A irmã Rubia Cristina lembra que ele atendia aos amigos no portão de casa usando apenas cueca. E ninguém mais se espantava com a excentricidade, acostumado com o bom humor de Cezinha.
Quando tinha 19 anos, Cezinha fez uma tatuagem de tigre, nas costas, às escondidas de sua mãe, a dona Leila. Toda noite seguia furtivamente até o quarto da sua irmã para que ela aplicasse pomada e colocasse a proteção no local da tatuagem.
O segredo durou até que um dia, distraído, foi receber amigo no portão no seu pouco traje de costume.
Cesar teve que sair correndo pela casa para não apanhar de sua mãe. Mas como a velocidade não era a mesma do felino que decorava suas costas, precisou de pomada, dessa vez, para sarar da surra.
Passagens pela polícia e desentendimentos em casa fizeram parte da sua vida. Mas a família nem toca no assunto. Deixou, além de Leila e Rúbia, o irmão Gustavo. 

Obituário # 17: Seu Quelé, por Vanuza Machado

Os braços de Quelé eram uma fábrica de chouriço

Clemente Reis Meurer


Pegar um filho no colo pode ser um gesto para um pai, mas para Renildo é a melhor lembrança que guarda de Clemente Reis Meurer.

Os familiares dizem que Clemente - ou Quelé, como era chamado em casa - não era a pessoa mais afável do mundo, mas em sua simplicidade era muito amoroso, além de manter o bom humor até dias antes de sua morte. "Por que vocês tiram tanto sangue? Abriram uma fábrica de chouriço?", brincou com a enfermeira que o acompanhava durante o tempo em que esteve internado.

Apesar de morar na região rural de Guaratuba, teve uma vida agitada. Passou pelas profissões de agricultor, professor, carpinteiro, mestre de obras e zootecnólogo, mas sempre achou um momento para ler a Bíblia e realizar as obrigações de ministro de eucaristia.

Clemente e Renildo tiveram uma fabriqueta de blocos que faliu com o golpe da poupança no governo Collor. O pai costumava dar bons conselhos. Por causa dele, Renildo não fechou um negócio que hoje classifica de “roubada”.

Um homem que nasceu no fim da segunda grande guerra não precisa fazer disso um motivo para sua vida ser um conflito. Na batalha contra o câncer, Clemente não foi um vencedor, mas deixou a lição de coragem e ensinou sua esposa e quatro filhos a passar pela luta com amor.

* 6 de janeiro de 1945
+ 21 de julho de 2011

Obituário # 16: Vicente Oliveira, por Nelma Suzan

Crítico da preguiça, Vicente acabou paralisado

Vicente de Paula Oliveira

Vicente de Paula Oliveira nasceu em Pereiras, uma cidade paulista com seis mil habitantes. Passou a infância no sítio da família, cercado pelos pais e os cinco irmãos. Quando se aposentou, depois de 35 anos de trabalho como técnico de telecomunicações da Telepar pensou em voltar para sua cidade natal, porém não deu tempo. Com apenas 62 anos e aparência de 50 teve sua vida interrompida por uma doença que afeta um em cada 100 mil habitantes, a Síndrome de Guillain-Barré.
Em menos de um ano a partir do diagnóstico, todos os músculos de Vicente paralisaram. E dependência era algo que ele não suportava. Costumava contar que aos 19 anos deixou o sítio e foi para a cidade de São Paulo procurar emprego para se tornar independente. “Qualquer um pode se tornar independente é só ter vontade de trabalhar.”
Não adiantava a enteada dizer que atualmente as coisas são diferentes, que é necessário ter um bom currículo, que os salários para quem não tem qualificação profissional são baixos, porque ele dizia que isso era desculpa de “preguiçoso”.
Apesar de não ser engenheiro de telecomunicações, tinha projetos patenteados e era admirado pelos colegas de trabalho por sua competência. Não tinha amigos, era reservado e de pouca conversa. Poucos sabiam de sua vida particular. Apesar de cordial, não deixava brechas para perguntas pessoais e isso até lhe dava certo charme, um ar misterioso. Sensível, chorava copiosamente com notícias tristes ou músicas que trouxessem recordações da infância ou dos pais.
Nunca casou, apesar de manter uma relação amorosa por mais de 30 anos. Também não teve filhos biológicos.  Como não deixou testamento, sua herança é motivo de briga na justiça entre a ex-companheira e os seus irmãos. 

sábado, 20 de agosto de 2011

Obituário # 15: José Carlos de Jesus, por Marcos Dias


Fez a família sofrer. Foi perdoado porque também sofreu

José Carlos de Jesus

 “O perdão tomou conta dos corações dos filhos e eles ficaram ao lado do pai até o último suspiro”. Telma Carvalho, vendedora do plano funerário que atendeu a família de José Carlos de Jesus, compreendia que aquela despedida era bem mais difícil do que as que acostumou a preparar.

Pai de três filhos homens, José Carlos deixou um neto e uma nora. Assistiu a sua esposa lhe abandonar pela agressividade e abuso do álcool. “Ele era violento e vivia bêbado. Minha mãe não aguentou e foi embora”, desabafa o filho mais velho do casal, Mauro de Jesus.

Trabalho e lealdade eram as maiores virtudes de José Carlos, dono de um sorriso cativante. Ele não deixou, mesmo após ser abandonado pela esposa, de sustentar a família. Cinco meses depois da separação, a ex-esposa Madalena, tomada pela depressão, morre e deixa orfãos os três filhos ainda pequenos.

Já aposentado, o homem volta para os filhos. O convívio não foi fácil. O alcoolismo, a violência e as brigas constantes fizeram José Carlos ser abandonado pela segunda vez. Até a vizinha Maria Aparecida sabia do drama familiar: “Ele não demonstrava carinho e sentimento nenhum pelos filhos”.

A diabete adquirida na vida inconsequente fez que sua saúde ficasse bastante debilitada. Internações hospitalares se tornaram rotina, o que serviu, pelo menos, para uma reaproximação entre pai e filhos.

A dor da perda começou a ocupar espaço da raiva. O remorso da ausência de José Carlos foi evidente na noite do sábado do dia 6 de agosto em que morreu. Mauro procura uma redenção: “todo o sofrimento que ele passou fizeram ele pagar o que fez conosco e com a nossa mãe.oi em paz”.      

Obituário # 14: Humberto Andreata, por Letícia Gabrielle dos Santos


Construir é escrever com cimento

Humberto Andreata

Considerado um leitor assíduo, Humberto Andreata não deixava transparecer a pouca escolaridade que possuía. Frequentou escola pública até o terceiro ano do primário, mas carregou consigo a paixão pelos livros mesmo após o colégio.

Nascido em ambiente de pobreza, em dezembro de 1937, no município de Colombo, Humberto desde pequeno incorporou o trabalho às suas atividades rotineiras. Tanto que precisou sair da escola.

Começou vendendo lenha e vinho em uma carroça. Auxiliou o pai na construção de imóveis, e dessa forma, sustentou até o final da vida uma atividade que lhe dava imenso prazer: a construção civil.

Ao mesmo tempo em que conquistava espaço na profissão, Humberto, aos 21 anos, se apaixonou por Maria, que tinha apenas 15 anos. O namoro era sempre sob vigilância: na casa da moça, nos passeios dominicais ou na igreja.

E era a igreja a principal fonte de diversão do casal. Eles passavam semanas esperando as raras festas promovidas pela paróquia. Casaram em 1963, ano em que mudou-se para Curitiba e construiu sua casa. Com as próprias mãos.

O salário que recebia na capital não dava para sustentar a família. Humberto então comprou um pequeno caminhão para transporte de grama. Mais tarde experimentou trabalhar em uma empresa de fabricação de calcário, e posteriormente conseguiu vaga na prefeitura. Apesar da mudança na área profissional, Humberto sempre soube apreciar a beleza da argamassa e com o dinheiro arrecadado em anos de trabalho, abriu sua própria construtora, na qual trabalhou até se aposentar.

Com três filhas mulheres e o tão esperado filho homem, Humberto continuou frequentando as missas dominicais e transferindo aos seus filhos o amor à religião. Sempre que podia ajudava os necessitados com alimentos, dinheiro, roupas ou simplesmente com seus conselhos.

A paixão pela literatura o acompanhou até o final da vida: pouco tempo antes de falecer, escreveu uma longa carta de despedida para a mulher e a cada um dos filhos. O coração parou subitamente no dia 14 de maio. Ele tinha 74 anos.

* 23/12/1937
+ 14/05/2011

Obituário # 13: Lelão Mocellin, por Jéssica Stella Bastos


Rigoroso, mas com um sorriso dourado

Gabriel “Lelão” Coradin Mocellin


Zelador do colégio Ermelino de Leão no Bairro Boa Vista e lenheiro aposentado, Lelão, como era conhecido por amigos, passou anos de sua vida cuidando das salas, quadras de esporte, banheiros e corredores e da segurança de crianças do ensino fundamental.

Mesmo famoso pela rigidez com a criançada, Gabriel “Lelão” Coradin Mocellin foi honrado com um dia de luto, lamentos e promessas de saudades. Completaria 75 anos em 4 de outubro, mas uma cirurgia no pulmão, que enfrentou a contragosto de sua médica, acabou lhe tirando a vida no final da tarde de uma terça, 2 de agosto.

O zelador Gabriel não deixa filhos, apenas a esposa Maria Antônia, com quem dividiu 42 anos. Até seus últimos momentos, Lelão era quem cuidava: há dez anos Maria Antônia padece de um derrame mal curado.

Prima e vizinha, Zulmira Appel lembra de como Lelão era gente fina” e sempre respeitou a todos durante os 60 anos em que conviveram pelo bairro; angariou enorme popularidade por conhecer cada um dos alunos do colégio e seus pais.

Nos anos 70, Gabriel possuía um depósito de lenha perto do mesmo colégio onde trabalharia anos mais tarde.  Era visto empurrando sua carroça lotada de madeira, atividade comum na época. É essa imagem que a dona de casa Cleópatra Inês guarda de Lelão, embora o conheça desde criança.

Cleópatra estudou no mesmo Ermelino de Leão que estava no destino do amigo, assim como seus 5 filhos.

Ele era alto, olhos castanhos, mantinha um bigode marcante e tinha um sorriso inesquecível, com seus dentes dourados, como descreve Geórgia Sanches, estudante da 6ª serie.

Melany Bastos, da 6ª série, relembra que certa vez ficou brava por não poder sair do colégio antes da hora, mas o zelador Gabriel era sério com as crianças e tinha que impor as regras. De qualquer forma, os alunos já esquecem os episódios que atestam o famoso rigor de Lelão. O que fica é a memória do zelador que participava ativamente da comunidade, das quadrilhas de festas juninas à barracas de venda de alimentos, suas piadas e o cativante sorriso dourado.

Obituário # 12: Dalina de Jesus, por Jessé Gomes de Lima

Trocou campo pela favela. Mudou de fé

Dalina Francisca de Jesus



Beber café à meia-noite, ouvir pela manhã o sermão do pastor no rádio e comer sopa de feijão com farinha de milho às 11: esta era a rotina de Dalina de Jesus.

Religiosa assídua que morreu de doença cardíaca no domingo, 31 de julho - mês em que chegou a completar o aniversário de 94 anos.

Dalina, que nasceu em Roncador (PR), casou-se jovem. Teve dois filhos com seu primeiro marido, Sebastião Fogaz. Depois se separou e conheceu José de Oliveira, com quem teve mais cinco.

Analfabeta e mãe de enorme prole, Dalina acreditou que a cidade era o lugar ideal para viver. Ela e dois dos filhos apostaram na mudança. Largou o marido, que não quis ir embora, e foi para a capital paranaense, onde passou os dez últimos anos de vida. A mulher que até então só sabia cuidar de casa se viu morando numa favela, no bairro Boqueirão.

Pouco tempo depois da mudança, Dalina fez amizades que a convenceram a mudar de religião. De católica, passou a frequentar a igreja Redenção à Palavra de Cristo.

Não perdia culto. Rapidamente se tornou integrante do coral evangélico, pelo qual ganhou uma carteirinha de “identidade eclesiástica”.

Andava sempre com roupas brancas, usava saia longa e tinha o cabelo comprido. Colegas rapidamente notavam quando se ausentava. “Ela se sentia feliz quando ajudava a igreja”, relembra Castorino de Oliveira, um dos filhos. “Nunca deixou de contribuir com o dízimo e, de vez em quando, os pastores iam busca-la em casa”.

Dalina ligava o rádio todas as manhãs, pontualmente às oito horas. “O radinho era o amigo inseparável dela”, diz Castorino. “Às vezes eu chegava bêbado, a gente discutia, aí eu ia pro meu quartinho e ela ia pra sala ouvir o rádio - ficava com o ouvido encostado nele”. Após a morte da mãe, Castorino guardou o aparelho junto com uma bíblia dentro de uma caixa, a qual lacrou e decidiu não abrir nunca mais.

No funeral de Dalina não se acenderam velas e tampouco houve celebração de sétimo dia - práticas proibidas pela religião. Hoje sobre o túmulo dela há apenas um girassol de pano, brinquedo depositado por sua netinha, Ana Flávia, 12, filha de Castorino.

Obituário # 11: Maria Gonçalves, por Andrea Moraes


Casou por imposição e amou assim mesmo. 
Religiosa, aceitou a filha gay

Maria Gonçalves


Entre um maço e outro de cigarros, Maria Gonçalves casou-se, criou dez filhos, mimou seus 21 netos e seus cinco bisnetos. Nasceu em uma família em que a religião era mais importante que qualquer outra coisa. Casou-se por ordem de seus pais e aprendeu a amar e cuidar de seu marido. Lutou contra o preconceito para poder trabalhar. De Maria Gonçalves, passou a ser conhecida no Bairro Alto como Maria dos Doces.

Ajudou a filha mais velha a superar o preconceito por sua opção sexual e lutou para que seus filhos estudassem sempre em bons colégios.

Aos 70 anos, descobriu que estava com diabetes e que teria que mudar alguns de seus hábitos para que a doença não piorasse. De todas as recomendações, a única que não seguiu foi parar de fumar.

Até dois dias antes de falecer, Maria dos Doces fumava seu cigarrinho matinal.  Costumava dizer que o mal está na cabeça das pessoas e que sem seu companheiro de uma vida, o cigarro, não viveria nem um dia mais.

Maria deitou-se na noite do dia 6 de agosto de 2011, reclamando que estava com uma dor impertinente de cabeça. Não acordou.

Aos 75 anos, deixou marido, filhos, netos e bisnetos.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Obituário # 10: Luiz Paulo Vidal, por Guilherme de Paula Pires

Surfista em Curitiba, comia repolho no café da tarde

Luiz Paulo Vidal


Luiz Paulo Vidal, carioca, surfista na juventude, trocou o céu de brigadeiro do Rio de Janeiro pela cerração curitibana em 1960. Tinha 20 anos. Criou cinco filhos do segundo casamento, nenhum consangüíneo. Braços fortes,  trabalhou como mecânico por toda a vida na Atlas Elevadores. Sua mala de ferramentas pesava mais de 30 quilos. 

Faleceu com 71 anos por complicações de diabetes agravadas por um câncer no estômago, recém descoberto.

Vidal saiu do Rio de Janeiro brigado com o pai, e nunca mais se falaram. O motivo da discussão é um mistério para todos. Dinheiro, patrimônio, suspeitam os filhos.

Duas vezes por ano ia para Matinhos nadar. Mesmo no ano de sua morte, com a visão frágil, não deixou de pegar jacarés e furar ondas no litoral. Amigo de muitos, o que mais gostava de fazer era comer. Maria Aparecida, sua esposa, lembra que seu café da tarde era pão com feijão e repolho. Também recorda que não dividia a mesma cama com o esposo há mais de 10 anos. Por higiene. Ele dizia que com o frio daqui não suava, logo não precisava tomar banho.

É consenso na família que os dois filhos de sangue não o amavam do mesmo jeito que os demais.  

Um mês antes de falecer, Vidal sofreu uma grave crise de bronquite e foi hospitalizado. Descobriu-se um tumor no estômago em fase avançada. Sabendo que sua morte estava próxima, pedia todos os dias para morrer em casa. Sua esposa, convencida pelos médicos da necessidade da operação, autorizou o procedimento no hospital. Cinco horas depois, Luiz Paulo Vidal falecia com o pesar da esposa por não atender ao seu ultimo pedido. 

Obituário # 9: Clara Zimmer, por Elisana Fuckner

O medo escureceu a vida de Clara


Clara Zimmer




Dona Clara, 76 anos, era uma mulher pequena e magra. Cozinhava bem e sabia fazer vários tipos de doces. Nasceu e morou quase a vida toda em Lageado, cidade onde não habitam mais que 10 mil pessoas. Em 2009 veio para Curitiba, ficar próximo aos médicos. Na chácara, era típica dona de casa. O lugar era impecável e ainda sobrava tempo para cuidar do jardim, das plantações de fumo e dos patos, galinhas, gansos, porcos e vacas.

Era um tanto corcunda. Os filhos culpam o fogão à lenha, que exige manter o corpo abaixado para repor a lenha.

Em pleno 2011, Clara conservava firme as tradições. A religião, as rezas e os costumes eram observados com rigor. Deixava uma santa na cozinha, do lado da mesa, e outra na sala. Antes de sair para a colheita, rezava a oração de São Bento.

Tinha uma rotina normal até o momento que sua doçura, que era uma característica indissociável, começou a mudar. O filho discutia com os vizinhos por causa do limite dos terrenos. Por conta disso, recebeu ameaça de morte. Dona Clara começou a ficar paranóica. Tinha medo de tudo. Comia e dormia mal. Mergulhou fundo na depressão. Médicos, igrejas, psicólogos, hospitais, remédios. Começou a ver ameaça onde ninguém mais via. A filha testemunhou Dona Clara apontar para o muro vazio de uma creche e gritar: “Tem vários carros de polícia ali”.

Todos dizem que os problemas fatais de saúde foram resultado da depressão. Mesmo com o sombrio fim da vida, deixou como lembrança a doçura, os doces, a alegria que irradiava.

Clara Zimmer nasceu dia 26 de abril de 1925. Faleceu dia 28 de julho de 2011.

Deixou marido, filhos, netos e um bisneto.

Obituário # 8: Clara Raimunda, por Francine Maria


Construída com suor e açucar, a casa ficou vazia

Clara Raimunda de Macedo

Clara Raimunda de Macedo faleceu aos 86 anos. Era descendente de escravos e batalhou desde pequena para conseguir realizar seu maior sonho, ter uma casa para morar com sua família. Viveu durante anos em uma fazenda de olaria em Tiriba, no interior de São Paulo. Cuidava principalmente da cozinha e, por conta disso, descobriu enorme talento para a culinária.

Clara não teve muitas oportunidades. Após o falecimento de seus pais, restou apenas sua irmã mais nova para tomar conta. Nenhuma das duas estudou: mal sabiam escrever seus próprios nomes.

Clara ou Tia Clarinha como era chamada, se destacou na feitura delicada dos doces caseiros, dom que herdou de sua mãe, como relembram muitos amigos.

Devota de Nossa Senhora Aparecida, padroeira dos escravos, trabalhou duro durante anos para realizar seu sonho. Tarde demais: seus pais já eram falecidos e sua irmã acabara de morrer de infarto aos 80 anos. E a casa própria foi habitada pela solidão.

Tia Clarinha fumou desde cachimbo até cigarros Carlton Crema, seus favoritos. E possuía saúde impecável. Clara nunca se casou nem teve filhos. Morou até o fim de sua vida com sua patroa.

Nasceu dia 28 de agosto de 1924. E morreu em 15 de junho de 2011.

Obituário # 7: Ezequias do Nascimento, por Daiane Andrade

Comprou um telefone para a esposa

Ezequias do Nascimento


Bolo de chocolate com refrigerante. Mais que uma preferência, essa combinação foi uma das grandes paixões da vida de Ezequias do Nascimento, o Nenê, como era conhecido desde a infância. Chegava a tomar sozinho quase dois litros da bebida, mesmo sob os protestos da família, preocupada com a sua saúde já debilitada por úlcera no estômago e um diabetes intrometido. Teimoso, agia feito criança pequena.

Tanto quanto as guloseimas que consumia, Nenê era uma pessoa doce. Com a esposa, Dirlene, a Di, ele se tornava verdadeiramente meloso. “Ele me ligava várias vezes por dia e quando estávamos juntos, não parava de me fotografar”, ela conta. “Chegou até a fazer uma tatuagem no braço esquerdo com a imagem do meu rosto. Dizia que era pra ficar sempre me olhando”.

Nenê e Di se conheceram em Guarapuava, cidade natal de ambos, em 1983. Amigo dos irmãos de Dirlene, Ezequias logo se interessou pela menina de 13 anos que ficava desconcertada quando ele se aproximava. A família dela era contra. Quando Dirlene completou 18 anos, fugiram. “A gente foi viver na casa da minha sogra, onde nasceu nosso primeiro filho”, lembra. “Depois disso, meus pais se obrigaram a aceitar”.

De fato, os pais de Dirlene aceitaram aquele cabeludo meio roqueiro, fã de ACDC e Raul Seixas, como membro da família. O sorriso largo, aberto, que facilmente brotava no seu rosto também deve ter ajudado.

A primeira união do casal durou uma década e terminou porque Nenê havia adquirido o hábito de beber. Dirlene saiu de casa e mudou para Pinhais com os filhos em busca de vida nova. Seis anos para que se reencontrassem. Ele deixara a bebida. “É um amor para a vida inteira”, costumava dizer quando tentava explicar o motivo de jamais ter desistido da sua Di.

A dedicação como pedreiro o tornou, cedo, mestre de obras. Fez isso a vida toda, mesmo quando já estava praticamente às vésperas da própria extinção.

Nas últimas semanas de vida, Nenê ficou estranho. De repente, sem motivos, passou a se desculpar com alguns familiares e agradecer outros. Abandonou os remédios. Pagou dívidas. Comprou um telefone para a esposa. “Você vai precisar disso para falar com as pessoas”. Aos 45 anos, não resistiu ao choque hipovolêmico nem à insuficiência hepática. 

Deixou a viúva e quatro filhos: Allan, Alessandra, Adriano e Alex.


* 23/09/1965
+ 5/08/2011

Obituário # 6: Alaíde Oliveira, por Denis William

Lutou para cuidar dos outros até depois da morte

Alaíde Oliveira

Catarinense de Caçador, Alaíde Oliveira chegou a Colombo ainda criança, em 1970. Aqui, casou-se aos 18 anos com José Aparecido dos Santos, constituiu família, criou os quatro filhos e viu nascerem seis netos.

Dona de casa dedicada, era uma cozinheira de mão cheia adorava fazer pratos diferentes para a família. A preferência dos filhos era o frango com polenta, ou a famosa galinhada. De sobremesa, a pedida era torta de limão. Nas horas livres, dona Alaíde gostava de costurar. Mulher vaidosa. Fazia questão de estar sempre bem arrumada.

Conhecida como irmã Alaíde, era responsável por um projeto social na igreja do bairro onde morou nos últimos anos. Era solidária e ajudava algumas famílias com os alimentos arrecadados na comunidade.

Alaíde trabalhava como Auxiliar de Serviços Gerais em um grande supermercado da cidade. Quando conseguiu as merecidas férias, resolveu voltar à terra natal visitar os parentes, sem saber que seria uma viagem derradeira.

Por volta de 21h30 do dia seis de agosto, quando saía de uma igreja, Dona Alaíde foi vítima da imprudência de um motorista embriagado. Faleceu aos 51 anos e deixa ao marido e filhos uma pequena herança, um “dinheirinho” que estava juntando desde 2003.

Obituário # 5: Arlinda dos Santos, por Louize Fischer

Já nasceram ervas daninhas no jardim de Linda

Arlinda dos Santos

No dia 29 de julho de 2011, Arlinda dos Santos não resistiu ao câncer abdominal, causa da morte descrita em sua certidão de óbito. Linda, como era chamada, estava fraca para realizar o exame que comprovaria o tumor e, além disso, tinha tireóide, diabete e hipertensão.

Nascida em Rio Pardo, Minas Gerais, no dia 1º de maio de 1948, logo cedo mudou-se para São Paulo com seus pais, duas irmãs e dois irmãos. Chegou a Curitiba em 1963, com apenas 15 anos. Ficou aqui até seus 63 anos.

Trabalhou como auxiliar de enfermagem e também no serviço social. A sobrinha, Carmen Lúcia Brito, diz que ela sempre ajudava muito as pessoas - até quem não precisava - e fazia isso por prazer. Por outro lado, a sinceridade era o forte de Arlinda. “Se a pessoa estivesse errada ela dava bronca mesmo, falava umas verdades!”. Muito religiosa, outra maneira que encontrou para ajudar os outros foi a oração.

Linda nunca se casou. Teve um namorado com o qual planejou comprometimento, mas decepcionou-se e, a partir daí, decidiu ficar sozinha. E olhe que ela tinha um apelido sugestivo. A sobrinha conta que vários homens apareceram querendo namorar e até casar, mas ela rejeitava um a um. “Ela tinha um gênio forte!”

Além de ajudar os outros, Linda tinha vários hobbies. Comer era um dos favoritos. Gostava muito de sair pela cidade, ir a restaurantes diferentes. E a dica que dava aos outros era a de comer sempre muita salada. Sua casa, com um grande e bem cuidado jardim, demonstrava sua admiração por flores, além das plantas “medicinais”. Se você estivesse com dor de estômago, ela tinha boldo para fazer um chá. Ou, quem sabe, um chá de espinheira-santa para gastrite... E esse legado é algo que, infelizmente, não veremos por muito tempo. Hoje o que se encontra no lugar das diferentes plantas é um jardim sem cuidados, quase sem espécimes e tomado pelas ervas daninhas.

Obituário # 4: Sebastião Kalinowski, por Daniélle Parabocz

Velho, chato e ranzinza. Foi pai

Sebastião Kalinowski


Sebastião sempre esperava por suas filhas aos sábados, sentado na varanda com o chimarrão pronto. Colecionador de cirurgias no coração, ele era ranzinza e frequentemente mal humorado. Lá ficava ele em seu banquinho, esperando a hora que os carros estacionariam na frente de casa.

Enquanto as crianças brincavam na calma rua, Sebastião, suas filhas e genros ficavam na varanda conversando, comendo amorinhas que eram arrancadas da árvore e tomando o mate que sempre queimava a língua. Não sabia ler, nem dirigir e passeava de carro sempre com o braço para fora, xingando todos os motoristas. Mesmo sendo ele próprio negro, adorava chamar de “macacos” os amigos de suas filhas.

Com 89 anos e complicações da última cirurgia, deixa uma família de 11 filhos, sendo sete legítimos, que sentem falta do seu jeito “chato” de ser. Não tinha dom especial, mas adotou quatro crianças, mesmo sem boas condições financeiras. O carinho com órfãos, no entanto, não deve ser sua herança em memória. A imagem de ranzinza deverá sobreviver à do homem que acolheu quem não tinha para onde ir.


* 29 de janeiro de 1922.
+ 8 de agosto de 2011.

Obituário # 3: Sandra Proença, por Daniel Santos

Sempre socorreu os outros. Não houve tempo para ela

Sandra Mara Proença 

Sandra nasceu em Curitiba em 1959. Morou com os pais até conhecer seu esposo, mas não abandonou a comunidade depois do casamento. Formou-se técnica em enfermagem em 1981 e trabalhou em diversos hospitais da rede pública. Estancou ferimentos e amortizou a dor de muitos estranhos, gente que merecia a mesma atenção dispensada a parentes e amigos.

Amiga dos vizinhos, carinhosa com os filhos e netos, era considerada por todos a bondade em pessoa. Segundo sua ex-chefe, ela sempre foi uma mulher apaixonada pelo trabalho, que se envolvia pessoalmente com o caso de cada paciente, e, por isso, servia de exemplo para as mais novas. Colegas de trabalho e pacientes se encantavam com seu desprendimento.

Ficou casada de 1983 a 2004, período em que teve cinco filhos – Leandro, Jasom, Adriano, Tarcísio e Georgie –, além de dois netos, Guilherme e Amanda.

Sandra Mara Proença foi vítima de um ataque cardíaco fulminante no último dia onze de agosto em sua casa, no bairro Mercês. Tão súbito que não houve tempo para o socorro que sempre prestou aos outros. 

Obituário # 2: Antônio de Araújo, por Polianna Nogueira

Fumava e cavalgava aos 87

Antônio de Araújo

Antônio de Araújo nasceu, cresceu e morreu, aos 87 anos, em Tomazina, cidade paranaense com mais ou menos nove mil habitantes. Sempre trabalhou na roça, e acabou casando muito cedo. Pouco tempo depois ficou viúvo e, então, decidiu se casar novamente. Com a segunda esposa, teve sete filhos. 

Antônio é lembrado pela sua força de vontade. Era sorridente, adorava dançar e contar piadas. O sítio em Tomazina vivia cheio de gente e as festas eram temperadas com muita comida, música e dança. O cigarro de palha, que ele mesmo fazia, sempre estava à mão.

Mas pitar não era seu único desleixo com a saúde. Apaixonado por cavalos, Antônio não parou de cavalgar mesmo convalescente de uma cirurgia, o que lhe rendeu problemas pelo resto da vida.

Na última semana de julho, Antônio estava planejando outra grande festa, para comemorar o aniversário de seu primo. Só de Curitiba, dois microônibus trariam o resto da família para a comemoração. Sentado na varanda, Antônio conversava com sua mulher e seu filho quando as dores no peito se revelaram um infarte fulminante.

Ele deixou sete filhos, dezessete netos e quatro bisnetos.  

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Obituário # 1: Tio Polaco, por Christiano Kubis


Jorge, o humilde tio polaco

Jorge Walesko

Morador do bairro Santa Candida, ao norte de Curitiba, Jorge era descendente de uma típica família de poloneses. Possuia olhos claros e se rendia facilmente a um prato de  batatas e comidas gordurosa.

Jorge tinha problemas mentais e tomava remédios psiquiátricos controlados, motivo pelo qual nunca casou ou teve filhos, depositando toda a atenção na família. Morava com o irmão, cunhada e três sobrinhos. Tio coruja, nunca deixara de presentear mensalmente Eduardo, Michele e Luiz com mimos e pequenas lembranças.

Humilde, Jorge nunca demonstrou nenhum tipo de sonho ou ambição. Era católico devoto de Nossa Senhora Aparecida e comportava-se com atitudes protetoras e prestativas com as pessoas.

Tio Polaco não possuia estudo algum, era analfabeto. Hábil em trabalhos manuais, herdou o ofício de pedreiro do seu irmão João Walesko.

Aos 47 anos é provável que Jorge tenha sofrido calado com dores no peito até sofrer um infarto e ser encontrado morto no banheiro de sua casa.

Em seu lar, era comum encontrá-lo com uma cervejinha e um radinho de pilha a ouvir os melhores lances do futebol paranaense. Jorge deixa sua família sepultado com a bandeira de seu time do coração, o Coritiba.

Dia 24 de abril, de infarto, aos 47 anos.