sábado, 20 de agosto de 2011

Obituário # 12: Dalina de Jesus, por Jessé Gomes de Lima

Trocou campo pela favela. Mudou de fé

Dalina Francisca de Jesus



Beber café à meia-noite, ouvir pela manhã o sermão do pastor no rádio e comer sopa de feijão com farinha de milho às 11: esta era a rotina de Dalina de Jesus.

Religiosa assídua que morreu de doença cardíaca no domingo, 31 de julho - mês em que chegou a completar o aniversário de 94 anos.

Dalina, que nasceu em Roncador (PR), casou-se jovem. Teve dois filhos com seu primeiro marido, Sebastião Fogaz. Depois se separou e conheceu José de Oliveira, com quem teve mais cinco.

Analfabeta e mãe de enorme prole, Dalina acreditou que a cidade era o lugar ideal para viver. Ela e dois dos filhos apostaram na mudança. Largou o marido, que não quis ir embora, e foi para a capital paranaense, onde passou os dez últimos anos de vida. A mulher que até então só sabia cuidar de casa se viu morando numa favela, no bairro Boqueirão.

Pouco tempo depois da mudança, Dalina fez amizades que a convenceram a mudar de religião. De católica, passou a frequentar a igreja Redenção à Palavra de Cristo.

Não perdia culto. Rapidamente se tornou integrante do coral evangélico, pelo qual ganhou uma carteirinha de “identidade eclesiástica”.

Andava sempre com roupas brancas, usava saia longa e tinha o cabelo comprido. Colegas rapidamente notavam quando se ausentava. “Ela se sentia feliz quando ajudava a igreja”, relembra Castorino de Oliveira, um dos filhos. “Nunca deixou de contribuir com o dízimo e, de vez em quando, os pastores iam busca-la em casa”.

Dalina ligava o rádio todas as manhãs, pontualmente às oito horas. “O radinho era o amigo inseparável dela”, diz Castorino. “Às vezes eu chegava bêbado, a gente discutia, aí eu ia pro meu quartinho e ela ia pra sala ouvir o rádio - ficava com o ouvido encostado nele”. Após a morte da mãe, Castorino guardou o aparelho junto com uma bíblia dentro de uma caixa, a qual lacrou e decidiu não abrir nunca mais.

No funeral de Dalina não se acenderam velas e tampouco houve celebração de sétimo dia - práticas proibidas pela religião. Hoje sobre o túmulo dela há apenas um girassol de pano, brinquedo depositado por sua netinha, Ana Flávia, 12, filha de Castorino.

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