quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Não é autoajuda! É psicologia do esporte!

 Da superação da baixa autoestima à vista grossa sobre a dedada no rabo



Por Ramon Voltolini, Carlos Eduardo e David Musso

Inspire, com calma. Olhe para o ginásio e tire de foco o público selvagem roedor de unhas, ávido por uma virada brusca por sobre teu adversário. Relaxe. Erga a cabeça. Perceba todos os trejeitos do oponente e intime-o com os olhos. Com a espada empunhada e, num ataque, diga “Touché!”. Vestido de branco, Alex Campos, 22, se prepara para os treinamentos de esgrima. O rapaz, a cada espadada mais suado, simula combates desenrolados num limite apertado de tempo, sob pressão duma derrota iminente. Ansiedade e concentração ficam de mãos dadas durante a luta; o aperto mais sutil dum punho sobre o outro pode condenar o equilíbrio psicológico do atleta; derrubando-o, ou não.

O condicionamento mental dos desportistas tem sido assunto primordial das pautas dos clubes de futebol, dos cronogramas das aulas de Educação Física, dos praticantes de esgrima. Da mídia. Na Alemanha, por exemplo, após o suicídio do goleiro Robert Eike em 2009, o Sindicato dos Jogadores de Futebol Alemão (VdV) começou a exigir um posicionamento mais profissional dos clubes frente à psique dos atletas: todo time deve, ou deveria, contratar um especialista no tratamento psíquico dos jogadores. Aqui, em setembro do ano passado, o Fantástico posicionou uma câmera exclusiva sobre Neymar. Mesmo sem saber, o topetudo foi posto no divã. Diante das fantásticas câmeras da corporação Globo de televisão, um perfil completo do menino foi traçado. Por ficarem vulneráveis aos estímulos incessantes da indústria jornaleira e da vida cotidiana, os atletas variam entre estados de concentração e euforia.

A psicologia do esporte, ramo que se entrelaça cada vez mais no cotidiano dos atletas, trata de compreender as teorias psicológicas voltadas às necessidades de cada categoria desportiva e aplicá-las efetivamente na vida dos atletas. Luiz Henrique, 19, jogador profissional de futsal pela equipe do Três M/Stark, conta com uma sessão individual psicológica por mês. A cada bimestre, o time se reúne numa espécie de “terapia em grupo”. “Não admito que me xinguem ou que usem de malandragem por cima de mim”, diz o rapaz ao se referir a gracinhas que os oponentes frequentemente fazem durante as partidas. “Alguns jogadores chegam a enfiar o dedo no rabo do outro durante os jogos. Isso desconstrói o atleta”. Para manter a sanidade diante das provocações, Luiz afina os ouvidos e pratica os conselhos ditados pelo psicólogo do clube; o foco desses auxiliares, na realidade, está no que acontece no “para-além-da-quadra”.

Tente encontrar um meio termo entre as vidas pessoal, familiar e social. Preze pelo equilíbrio mental. Divida o tempo do dia em partes, uma para cada tarefa. Você tem de clarear a visão e selecionar os pontos de foco.  Elenque-os. Em quadras mais modestas, como na do EJA (Educação para Jovens e Adultos) de Rio Branco do Sul, a psicóloga Eliane Dias Ferreira dá a aos alunos orientação semelhante à profissional. A falta de motivação, baixa autoestima e as dificuldades dos alunos em seguir os vértices disciplinares da matéria de Educação Física levam grande parte dos estudantes a bater o pé frente à prática de exercícios físicos. Por transcender os limites estreitos das quadras das escolas, os efeitos desse tipo de psicologia afetam os alunos também dentro das salas. O desenvolvimento da atenção, da memória, do raciocínio lógico e da motricidade são consequências colaterais desse tipo de abordagem psicológica.

O meia-atacante do Coritiba, Rafinha – hoje de pavio mais comprido –, também já foi paciente dessa categoria de tratamento. No ano passado, o atleta alternava ótimas atuações em campo com idas mais cedo ao chuveiro do time. Ainda em disputa pela série B do Campeonato Brasileiro de 2010, o jogador mostrava-se hostil durante as partidas: até o mais bobo dos motivos fazia Rafinha descer a bordoada no primeiro infeliz. Diante da situação inconstante do atleta, a diretoria do Coritiba recomendou a Rafinha sessões terapêuticas com a psicóloga do clube, Flávia Foccacia. Os resultados foram notados após seis meses de tratamento: cartões e expulsões não são mais constantes na vida do jogador. “Me sinto feliz dentro de campo e, lá, sou como um líder. Fora dele [campo] sou outra pessoa, fico quietinho no meu canto”. Com o uso da psicologia, o espírito de equipe e o desejo de fazer o time todo prosperar tomaram o lugar, ou, pelo menos, “encaixotaram as bombas” do temperamento explosivo do meia. Rafinha superou a mesquinhez das provocações alheias; passou por cima da baixa autoestima e, até onde se sabe, chega a fazer piada com essa tal história da “dedada no rabo”.

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