quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Sobre esportes # 4: Kenneth Tynan vê as touradas, resenha de Letícia Gabriele

Antonio Ordóñez

 (em TYNAN, Kenneth. A vida como performance. SP: Companhia das Letras, 2004. p. 105-119)

A coletânea de descrições sintéticas que compõe o livro “A vida como performance” do crítico inglês Kenneth Tynan, remetem simultaneamente a sensação de acidez e delicadeza ao descrever os personagens. Na definição do toureiro Antonio Ordóñez, Tynan não inicia a narrativa de maneira objetiva e linear, mas sim, construindo todo o universo que rodeava o toureiro através de assimilações e comparações com outros grandes nomes da tauromaquia.

“Os tambores da afición, estavam todos batendo em uníssono pela primeira vez em onze anos. Não batiam por Luiz Miguel, mas pelo jovem andaluz chamado Antonio Ordóñez...”. Dessa forma, Tynan dá início à composição do personagem que matou cerca de 150 touros. Segundo o autor, Antonio “era propenso a ataques de apatia” e matava com gentileza, enfrentando os touros “com uma generosidade que fazia deles colegas, não inimigos”.

As metáforas e comparações são artifícios bastante presentes no texto de Tynan, e não são raras as vezes em que o autor compara o toureiro a artistas de outras áreas com o intuito de descrever sua maneira de lutar. Considerado por Ernest Hemingway “o maior toureiro que já viu atuar”, Tynan utiliza a opinião do escritor como um ponto de partida para o paralelo traçado entre Antonio Ordóñez e Pedro Romero, um dos personagens centrais do livro “O sol também se levanta” de Hemingway, cuja personalidade é baseada em Cayetano Ordóñez, pai de Antonio. Assim, a história de Cayetano é incorporada a história de Antonio, ambos corajosos e desmedidos. Coragem essa que é posta de lado por Cayetano, “um veterano devastado e exaurido” que aos 55 anos sobrevive de uma pensão paga pelo filho. Já Antonio, tem sua coragem enfatizada pelo autor através da narração de lutas que lhe renderam ferimentos graves, e que por vezes, quase o levaram a óbito.

As descrições das características e sensações dos personagens são feita por Tynan, de maneira pontuada e objetiva. Com adjetivos muito bem empregados, e com uma composição primorosa e detalhista da vida do toureiro, Tynan propõe uma identificação com o personagem que possibilita ao leitor a sensação de se tratar de uma pessoa conhecida.

Muitas vezes colocado como personagem - narrando em primeira pessoa – Tynan não empobrece o texto com as suas opiniões acerca do tão destemido toureiro, pelo contrário, elas só fazem enriquecer a personalidade já abastada de Antonio Ordóñez.

Para concluir, Tynan é extremamente descritivo nas cenas de tourada que fizeram Antonio ressurgir após três anos de consecutivas decadências nas lutas travadas. Fato que agravou-se ainda mais com o casamento de Antonio e Maria Del Carmen, pois segundo o autor “as esposas que gostam de seus maridos inteiros, são notoriamente más parceiras para os toureiros”. Ao final do texto, Tynan ressalta que a tourada com que Ordóñez coroou sua carreira foi uma em que não usou espada alguma. De forma leve e instigante - causando nos leitores a curiosidade sobre o desfecho da cena – Tynan conclui: “De alguma forma, achei apropriado que Ordóñez, o toureiro de bom gênio, fizesse história com o touro que não precisou matar”.

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